Cheganos Oficiais, Pedro Frazão

Historiador esclarece “erro parvo” e desmonta tese de Vice-presidente do Chega sobre o “Rei dos Portugueses”

Há vários dirigentes do Chega que não escondem o seu lado monárquico, como é o caso do deputado Pedro Frazão, que ontem publicou duas fotos na companhia de Duarte Pio de Bragança, pretendente à Coroa de Portugal como Rei de Portugal, apesar de não possuir nacionalidade portuguesa originária, a quem intitulou de “Rei dos Portugueses”. O deputado do partido de André Ventura aproveitou para fazer uma relação entre as monarquias e o “melhor bem-estar e desenvolvimento”.
No entanto o historiador Paulo M. Dias apressou-se a esclarecer no Twitter o “erro parvo” do Vice-presidente do Chega, a questionar a legitimidade do “Rei dos Portugueses” e a desmontar a tese da relação entre monarquias e desenvolvimento.
Pedro Frazão escreveu ontem nas redes sociais :

Portugal também tem coroa, é milenar, tem 8 séculos de monarquia! Temos pretendente que não é Rei de Portugal, mas é Rei dos Portugueses por personificar um padrão histórico e cultural – 7 dos 10 países mais ricos, de melhor bem-estar e desenvolvimento são Monarquias.

E acrescentou:

Sinceramente, faz-me confusão quem presta vassalagem e baba pelas coroas estrangeiras, mas detesta e não honra a nobre história de Portugal!

O historiador Paulo M. Dias partilhou o print dos tweets de Pedro Frazão e iniciou uma longa thread:

É domingo, está sol, mas não resisto. É mais forte que eu. Defeitos do ofício de historiador. Vamos lá ao breve thread ????
A monarquia portuguesa não foi, obviamente, milenar. Foi fundada no séc. XII, mas a data concreta é muito discutível. Batalha de S. Mamede em 1128? Batalha de Ourique em 1139? Convénio em Zamora em 1143? Reconhecimento papal em 1179? Muitas datas, poucas certezas.
Durou longos séculos, mais que umas, menos que outras. Foi extinta em 1910, como todos sabemos. Hoje existem pretendentes ao trono. Mas será D. Duarte Pio o pretendente correcto? D. Manuel II deixou o trono ao ramo miguelista dos Bragança, mas aqui residem vários problemas…
Os Miguelistas foram afastados da sucessão ao trono depois da derrota nas Guerras Liberais em 1834. Como se isto não bastasse, D. Manuel II apenas os reabilita já no exílio, ou seja, quando não tinha qualquer poder para o fazer. Portugal era já então uma república.
Ou seja, pode questionar-se seriamente a legitimidade de D. Duarte Pio como pretendente. E podemos discutir eternamente os direitos sucessórios, mas na verdade isso pouco importa, porque Portugal escolheu mudar de rumo a 5 de Outubro de 1910.
O “padrão histórico e cultural” das monarquias tem muito que se lhe diga, mesmo na actualidade. As monarquias britânica, saudita ou japonesa são complexas e muitíssimo diferentes. Um chefe de estado hereditário não chega para fazer um termo de comparação a qualquer nível.
Será Marrocos mais parecido com a Dinamarca, ambos tendo monarcas, do que com a vizinha Argélia? Tudo isto para dizer que é um termo de comparação muito pífio, porque é baseado num critério inacreditavelmente reduzido, onde só cabem umas centenas de pessoas em todo o mundo.
E aqui reside o principal problema da monarquia, que levou à sua queda – mais ou menos brutal – um pouco por todo o mundo ao longo dos séculos: a hereditariedade do poder assente num número reduzido de pessoas.
A ideia de que alguém é inerentemente melhor que outrém é, obviamente, problemática e nada democrática. Será Carlos III mais inteligente do que Stephen Hawking? Longas listas de monarcas incapazes demonstram que o poder baseado no direito sucessório cria muitos problemas.
Numa república, os inúteis e incapazes são eleitos e podem ser afastados. Numa monarquia não há escolha. Por mais que se diga que as monarquias se modernizam, o problema de base permanecerá. Ninguém é, obviamente, inerentemente melhor que outro só por nascer dos pais certos.
A monarquia é um garante de estabilidade. Este é um argumento frequente, mas será mesmo? As Guerras Liberais ou diferentes guerras civis do séc. XIX português foram menos violentas do que o caos da Primeira República? Não me parece que tenham sido, muito pelo contrário.
Serão as gafes ou guerrazinhas de Cavaco ou Marcelo mais problemáticas que a fuga ao fisco de Juan Carlos de Espanha ou os abusos sexuais do príncipe Andrew de Inglaterra? Se calhar existem pessoas péssimas em todo o lado, e talvez não seja boa ideia dar-lhes poder só porque sim.
Mesmo no Reino Unido, onde a família real tudo faz para limpar a sua imagem, a contestação existe. As manifestações pacíficas em Londres e o cântico dos fãs escoceses do Celtic de Glasgow são prova disso mesmo. E é bom que assim seja.
Numa democracia cabemos todos. Tenho amigos monárquicos com quem até já conheci o D. Duarte. Permaneço republicano e não acredito que alguém nasça superior seja a quem for. A república, com os seus defeitos, é moldável pela vontade popular. A monarquia tem um problema inerente.

No final da thread, foi questionado por um seu seguidor, para esclarecer o que é que Pedro Frazão tinha dito de errado, e respondeu:

Os 800 anos dou de barato, é só um erro parvo. O relação entre monarquias e desenvolvimento não tem sustentação empírica, e mesmo a legitimidade do D. Duarte é questionável. Quem é legítimo? Não sei mas existem suficientes – reais ou imaginados – para dar trabalho a genealogistas

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3 Comments

  1. Jose Carlos Craveiro Lopes de Lobão

    De facto a data da fundação de Portugal é de certo modo discutível mas isso é de certo modo irrelevante nesta discussão. Foi um processo contínuo. Com mais consistência teremos talvez a data de 5 de Outubro1143 a partir da qual Afonso VII de Leão reconhece a D. Afonso Henriques o título de Rei. A monarquia portuguesa durou realmente vários séculos tendo o regime monárquico caído em 1910 e o último rei reinante, D. Manuel II se exilou em Inglaterra. Não foi D. Manuel que reconheceu a sucessão ao ramo miguelista, é uma determinação constitucional. A última Constituição monárquica portuguesa em vigor em 1910, a Carta constitucional de 1826 assim o determina. Esta constituição, restaurada em 1843 com o cabralismo, vigorou até à I República. É esta constituição que regulamenta a sucessão ao trono português na última fase da monarquia e segundo o seu capítulo IV temos:
    Art. 86º – ASENHORA DONA MARIA II, POR GRAÇA DE DEUS, e formal Abdicação, e Cessão do SENHORDOM PEDRO I, IMPERADOR DO BRASIL, reinará sempre em Portugal.
    Art. 87º – Sua Descendência legítima sucederá ao Trono, segundo a ordem regular da Primogenitura, e Representação, preferindo sempre a linha anterior às posteriores; na mesma linha o grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo a pessoa mais velha à mais moça. Art. 88º -Extintas as linhas dos Descendentes legítimos da SENHORA DONA MARIA II, passará à Coroa à colateral. Art. 89º -Nenhum Estrangeiro poderá suceder na Coroa do Reino de Portugal. Art. 90º – O Casamento da Princesa Herdeira presuntiva da Coroa será feito a aprazimento do Rei, e nunca com Estrangeiro; não existindo o Rei ao tempo em que se tratar este Consórcio, não poderá ele efetuar-se sem aprovação das Cortes Gerais. Seu Marido não terá parte no Governo e somente se chamará Rei, depois que tiver da Rainha filho ou filha. Apesar de existir anteriormente uma lei do banimento, esta lei, ainda em vigor nessa época, proibia em território nacional a presença de descendentes de D. Miguel, mas não pode sobrepor-se ao texto constitucional. De facto na constituição de 1838, a linha miguelista estava irradiada da sucessão, mas esta constituição foi substituída pela Carta de26 que apesar de ter tido posteriores revisões, manteve intacto o texto inicial no que respeita à sucessão. Deste modo, a linha de D. Miguel é incontestavelmente a linha colateral determinada no artigo 89º. O reconhecimento de D. Manuel, foi apenas o reconhecimento da legitimidade constitucional em vigor em 1910.Não sei se terão sido os portugueses a determinar a mudança de rumo para a República. De facto, umas centenas de militares assim o fizeram pela força mas nunca ninguém perguntou aos portugueses se queriam esta mudança de regime. É evidente que as monarquias são diferentes de país para país. É um facto absolutamente natural uma vez que se baseiam na história e na tradição de cada nação. Essa é uma das suas virtudes. Identificam-se comas raízes de cada povo. As monarquias têm normalmente em comum, a existência deum Chefe de Estado que por direito sucessório tem mais ou menos poderes, mas representa a unidade nacional e exerce esses poderes de forma equidistante do poder dos partidos políticos nas democracias. Julgo que ninguém no seu juízo perfeito defende em Portugal uma monarquia sem a existência de uma constituição escrita. Parafraseando Thomas Macaulay, “um soberano reina, mas não governa”. Em Portugal poucos anos tivemos de absolutismo. Pelo menos desde D. Afonso III, o Rei em Portugal governa com as Cortes. Este Rei assina um documento perante o clero e a nobreza o “Juramento de Paris”. É uma espécie de Magna Carta, em que jura guardar todos os privilégios, foros e costumes dos municípios, cavaleiros, peões, religiosos e clérigos seculares do reino. Se a minha contagem não está errada, os reis de Portugal reuniram cortes 99 vezes entre1211 e 1836, excluído as lendárias cortes de Lamego no reinado de D. Afonso Henriques. Só D. João I reuniu cortes 28 vezes. Evidentemente que não há ninguém inerentemente melhor que outrem. O Rei é naturalmente um homem como muitos outros, mas pode ser preparado para exercer o seu cargo da melhor forma possível e em especial de modo equidistante e sem compromissos com grupos ideológicos que escolhem e propõem aos eleitores, quando este é eleito de forma directa, o Presidente de uma República. O sistema monárquico pode ferir o princípio da igualdade, mas de facto mesmo nas repúblicas o princípio da igualdade é constantemente ferido. Estamos muito longe da cidade ideal, “Kallipólis” como Platão a idealizou ou da Utopia de Thomas More. É apenas uma questão de equilíbrio entre vantagens e defeitos. Não há bela sem senão mas as vantagens de um Chefe de Estado pré escolhido são substancialmente superiores às de um eleito com todos os compromissos assumidos no caminho político deste até conseguir a eleição. Quando há monarcas incapazes também há soluções para a sua substituição e temos exemplos disso na nossa história. A monarquia confere efectivamente estabilidade e é um elo de ligação entre os vários povos que constituem uma nação. Bastará olharmos a história recente da Espanha, a transição do franquismo para a democracia. Provavelmente, também sem o Rei, a Espanha ou a Bélgica já se teriam desagregado.  As guerras civis do séc. XIX não se realizaram por serem monarquias. São fundamentalmente uma consequência directa ou indirecta da revolução francesa e de um desajustamento social e ideológico dessa profunda transformação na sociedade europeia combinada com o imperialismo napoleónico. Nessa sequência histórica até repúblicas como os Países Baixos passaram a monarquias. O caos da I República em Portugal foi certamente muito mais profundo e violento que as últimas décadas da monarquia e durou 16 anos de desgraça. Juan Carlos, a quem Espanha muito deve, quando deixou de ter condições objectivas para reinar, abdicou e Andrew no Reino Unido nunca foi nem nunca será rei. O sistema monárquico tem sistemas de controle para resolver esses problemas. A monarquia tem certamente problemas e repito que não há sistemas perfeitos mas tem, quando há tradições históricas para isso, condições de maior eficácia para assegurar o bem-estard esses povos, mantendo o respeito pela vontade popular. Dificilmente se pode considerar que há menos democracia no Reino Unido, em Espanha, na Bélgica ou no Liechtenstein do que em França ou em Portugal. As monarquias também são moldáveis por vontade popular.  

    • Maria

      Excelentes observações! Exatamente. Nada nem ninguém é perfeito, mas uma monarquia está certamente mais perto de assegurar o bem-estar dos povos da nação. Monarquia não quer dizer não-democracia; aliás, bem pelo contrário; há estudos que mostram que em nações onde há monarquia, a democracia é mais estável e funciona muito melhor para os povos: quer em termos de eleições para os Parlamentos, quer em termos de moldar o país e a própria monarquia à vontade e necessidades dos povos.

  2. Maria Silva

    D. Duarte já foi, SIM, reconhecido pelo Estado Português como o descendente que é o pretendente ao Trono Português… O resto são descendentes, mas nenhum o descendente mais direto.

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