Gonçalo Sousa, candidato em 2024 a deputado pelo Chega, propagandista militante da supremacia branca autodenominado “macho tóxico” foi convidado pela nova direção de Vítor Gonçalves na RTP para ser comentador.
Miguel Carvalho, jornalista de investigação premiado que recentemente publicou o livro “Por Dentro do Chega”, escreveu na sua página sobre o convite da RTP a Gonçalo Sousa, que atualmente já é comentador na Rádio Observador:
RTP VERSÃO GONÇALVES, SEM FILTRO: COMEÇA AGORA
I
No meu livro sobre o Chega, este é o retrato que faço de Gonçalo Sousa: “Vi, então, aproximar-se do palco um ídolo dos jovens do Chega, pinta de galã afetado, autodenominado «macho tóxico», de barba aparada e ar de «não estou interessado», mas a pedir o contrário. Gonçalo Sousa é um youtuber português, influencer com mais de 100 mil seguidores. É patrocinado pela Prozis, uma das maiores lojas online de suplementos desportivos, cujo dono, o excêntrico milionário Miguel Milhão, é acérrimo ativista antiaborto e trata os críticos como «canzoada» e «pulhecos de merda» (…)
Gonçalo Sousa não destoava muito disto, à parte os recursos. «Qualidade financeira, amigos fiéis e uma gaja boa que seja uma boa gaja», é o seu conceito de vida. É polémico, claro, como não? «Para quê ir a África mais vezes quando Portugal já está a ser invadido por ela?», perguntou, certa vez.
Em 2021, concorreu nas listas do Chega à Câmara de Oeiras.
Andou pelo gabinete de estudos e frequentava eventos da juventude do partido. Propagandista militante da supremacia branca, dava palco, nos seus canais, a convidados do mesmo tronco ideológico, como Mário Machado. No congresso de Santarém, elogiou os parceiros do Chega – Orbán, Meloni e Marine Le Pen — e alertou para o perigo muçulmano: “«No ano passado, havia ex-membros do Estado Islâmico a trabalhar em call centers em Benfica.» (…)”.
II
Gonçalo Sousa, uma das mais relevantes figuras das redes sociais de extrema-direta, foi candidato por Lisboa nas legislativas de 2024. Após as eleições, anunciou a saída do Chega, mas o ideário continuava próximo. Ao que consta, queria ser deputado, não conseguiu e ficou aborrecido.
Vá lá saber-se porquê – e como – Gonçalo Sousa foi convidado pela nova direção de Vítor Gonçalves na RTP para comentador. Noutros países, o dito Gonçalves já estaria porta fora, mas no Portugal de Montenegro e Companhia, Lda, estas coisas resolvem-se dentro e “sem efusão de sangue”, como diria o poeta.
A estreia, pelos vistos, estava marcada para a noite eleitoral, mas alguém, avisado, terá bichanado a Vítor Gonçalves o vasto e comprometedor currículo do “macho tóxico”, que, entretanto, já apagara ou moderara parte das suas diatribes da Internet e se preparava para ilustrar a audiência da RTP com a sua sabedoria de influencer sanitário, um desses que também quer limpar Portugal. Vai daí, o Gonçalves, atrapalhado, disse-lhe que, afinal, já não dava…Gonçalo foi à sua vida e provavelmente vai radicalizar-se um nadinha mais. Exactamente como fazem aqueles machos traídos que desatam à porrada a tudo o que mexe.
III
A culpa, porém, não é do Gonçalo. O que ele fazia e dizia tem anos e até está reportado em relatórios de organizações internacionais. O Gonçalo não gosta de gente escura, nem de mulheres livres e emancipadas, tem asco a homossexuais e à Europa de muitas cores. Acha que os brancos branquinhos da Europa estão a ser substituídos e tem um fraquinho pela lábia dos Mários Machados, mas ainda não saiu totalmente do armário. Conta-se que em sessões promovidas pelos jovens do Chega, até havia quem se sentisse incomodado com os tiques e rapsódias extremistas do galã da direita musculada, vejam lá…
Mas repito: a culpa não é do Gonçalo.
Não conhecer o Gonçalo é que é grave. E culpa de alguém. Convidá-lo para comentador na estação pública não é apenas deslize nem amadorismo. É mais qualquer coisa. É algo que se põe a crescer diante dos nossos olhos e ganha palco a dizer coisas giras, disruptivas, tá a ver? Coisas tipo negar o genocídio na Palestina ou aplicar a teoria conspirativa da Grande Substituição. Não tarda nada e a narrativa normaliza-se no tal canal. Já faltou mais e o Gonçalo estava na fila, tirou a senha primeiro.
O Gonçalo esteve quase lá, sim. Até apareceu nas fotos de promoção da nova grelha do canal.
Mas já foi substituído porque alguém, lá na “casa”, teve um lampejo de decência ou sofre de vergonha alheia.
Já o Gonçalves continua lá, firme e hirto no seu posto, a ver a banda passar. E se a banda passar, assim de fininho, pelos pingos de chuva, da selva youtuber para o canal nacional, nem o Gonçalves cá estará para contar. Nessa altura, outra ordem reinará. E os Gonçalves serão apenas lembrados como os idiotas úteis que franquearam a porta às narrativas da 4ª República e outros delírios.
Daí a pergunta: sai ou fica? Se depois disto, Vítor Gonçalves fica, capitão no seu posto, à proa de uma RTP sem vergonha nem filtro, nem abalos de consciência, é sinal de que é muito mais do que um erro de casting: é a aposta de uma certa casta. E aí…Deus nos ajude.
Depois da polémica se ter instalado nas redes sociais, a RTP recuou na sua decisão de contratar o influencer de extrema direita por comentários “inaceitáveis” feitos por Gonçalo Sousa nas redes sociais em 2023.
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